Vazio infinito
Conheço poucas pessoas que não se sentem só, ou talvez eu conviva com grupos que não falam sobre o quão sozinhos se sentem. Deve ser preciso uma pitada de coragem para assumir isso, por que quando nos queixamos para os outros, contrapontos mágicos são apresentados como se o sentimento não tivesse razão de existir
mas não tem fulano? – mas você não é casada?– mas quem precisa de alguém? você se basta!
Em janeiro eu li “Uma tristeza infinita”, do Xerxenesky, e teve uma parte muito bonita que ficou martelando na minha cabeça, que é um diálogo em que a esposa dele explica que os átomos possuem muitos espaços vazios, sendo a maior parte deles preenchida por um grande e infinito nada. Como consequência, nosso próprio corpo seria habitado por um imenso vazio.
“[...] todos somos tristes, terrivelmente tristes, e estamos imersos nessa tristeza infinita, cósmica, uma tristeza do tamanho do universo ou do espaço vazio dentro do átomo [...]”
A ausência nos preenche. Há alguma coisa que deveria estar lá e que não está; mas se essa sensação atravessa países e gerações será que há mesmo algo que deveria estar ali ou somos nós que vamos criando esses buraquinhos junto com a ilusão de que eles devem ser preenchidos?
Nessa semana eu encontrei com a minha mãe que, repleta de humanidade, estava se sentindo só. Ela associou o sentimento com o processo de envelhecimento, com a proximidade da aposentadoria e com vislumbre desse período da vida com 40h semanais a mais a serem preenchidas.
Acredito que conforme os anos passem, essa sensação vá nos orbitando cada vez com mais proximidade. No final do ano passado, vi no twitter um gráfico mostrando com quem os americanos passavam mais tempo de acordo com a idade. O resultado, embora óbvio, foi um tanto angustiante de ser visualizado.
Família e amigos descem ladeira abaixo conforme o tempo vai sendo ocupado com trabalho, companheiro e filhos. A perspectiva por volta dos sessenta é mais solitária: ficar sozinho e com o cônjuge.
Solitária, e não triste, pois esses dados não precisam ser carregados de desesperança e pessimismo. Estar e sentir-se só não são uma patologia a ser curada, mas uma condição da vida humana. Com esse raciocínio, Ana Suy nos fornece uma visão psicanalítica que considero muito bonita – ela afirma que sempre estamos sozinhos, pois somos todos seres faltantes.
Claro que a inerência da solidão não a torna menos dolorida. Não sei o que nos faz achar que deveríamos viver mais próximos um dos outros e compartilharmos da nossa intimidade com mais pessoas, mas a realidade é que sentir que precisamos de alguém para que sejamos capazes de fazer algo é uma estrutura de pensamento que dói como o medo de ficar sozinha no recreio do 6º ano. Talvez o caminho das pedras seja encontrar formas de escapar desse pensamento circular para descobrir novas possibilidades de ação, prazer e sentido que a solidão nos abre. Estar sozinho não é sinônimo de dor.
Penso que estar sozinho não necessariamente é um sofrimento, mas, para além disso, é um grande alívio, um belo convite ao exercício do amor, essa experiência interessante que cada um vive sozinho junto a alguns outros ao longo da nossa passagem pelo mundo.
referências
Ana Suy. A gente mira no amor e acerta na solidão. Companhia das Letras, 2022
Antônio Xerxenesky. Uma tristeza Infinita. Companhia das Letras, 2021
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