morte

A única certeza na vida é a morte, já dizia minha mãe em quase todos os domingos de 1998 enquanto preparava o almoço. A frase concluía assuntos e fofocas sobre conhecidos que tinham feito apostas no destino. Casamentos que acabavam, surpreendendo a vizinhança; vendinhas que fechavam na rua de baixo ou até receitas que desandavam no meio do caminho.

Não dá pra ter certeza de nada nessa vida, filosofava a dona Fátima enquanto mexia a carne moída.

Mas eu adoro uma certeza. Mesmo a certeza de que não dá pra ter certeza de nada. Fico cavucando qualquer certeza no dia-a-dia e, sabendo da frustação, jogo toda minha expectativa e energia nesse ensinamento maternal óbvio.

Todos nós vamos morrer.

O ensinamento dos almoços dominicais é tão trivial quanto a fome que apertava enquanto preparávamos o arroz – e eu me agarrei nessa certeza única de um modo, confesso, um pouco esquisito. Eu penso e falo mais sobre a morte do que a maior parte das pessoas que conheço.

Mais de uma vez alertei casais recém juntados que eles teriam dificuldade em liberar o corpo um do outro no IML, a não ser que deixassem de preguiça e fossem assinar a união estável. Repreendida por olhares arregalados, aprendi que as pessoas vão ao cartório por duas razões mais recorrentes: convênio e amor. Eu, morte.

Aos 21 anos eu fiz uma poupança para pagar minha cremação quando eu morresse e também deixei preparado um envelope escrito “quando eu morrer” com informações bancárias para minha mãe acessar. Falei “ó mãe, aqui vai ficar esse envelope, tá? Quando eu morrer você já sabe onde encontrar tudo”. Fui solenemente ignorada.

Pelo visto, as pessoas vivem como se não fossem morrer; e eu, como se fosse morrer amanhã. Não no sentido legal de que “vivo cada dia como se fosse o último”, e sim no sentido de tentar controlar a única certeza que existe e que, por definição, é incontrolável. Usam a morte como conselho para aproveitar a vida. Talvez meu caminho seja o contrário. Talvez eu precise me esquecer um pouco da morte para conseguir curtir a imprevisibilidade da vida.

Minha cena predileta de Daria

Indicações mortais

Boneca Russa (Imdb) Nessa série disponível da Netflix, a protagonista entra em um loop: toda vez que morre, volta para o banheiro da sua festa de aniversário de 36 anos.

Six Feet Under ( Imdb) Direto do túnel do tempo de quem teve adolescência nos anos 2000. Cotidiano de uma família que possui uma funerária em Los Angeles. Disponível na HBO.

Escute as feras, de Nastassja Martin (Editora 34) Relato biográfico de quando a antropóloga francesa foi mordida por um urso na floresta siberiana. Experiência de quase morte que provocou diversas reflexões sobre a sua vida.

O voo, Memórias de um caramujo ( Spotify) A banda nem existe mais, mas adoro a narrativa dessa música. Uma cena mórbida cantada em tom alegre e cotidiano.

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