32 balas no epistemicídio

Cuidar de mim e das pessoas que estão comigo é mais importante do que estudar ideias complicadas na tela de um computador.

Aprender como ter conversas reais sem ser derrubada pela ansiedade e pelo autocentramento é mais importante do que colocar pensamentos longos e enrolados no papel, porque eles me assombrarão para sempre.

Ficar calma nas horas mais difíceis e ser capaz de aprender essa habilidade em conjunto é mais poderoso do que um dedo trêmulo segurando o gatilho.

Alcançar alguém através da minha tendência antissocial é mais revolucionário do que escrever um livro inteiro cheio de termos carregados que de qualquer forma precisam de filosofia europeia para serem explicados.

Recusar o pacifismo e a apatia vem antes de aceitar uma espiritualidade falsa que só serve para substituir o que foi passado a mim com enorme esforço por meus antepassados.

Não estar sujeita ao policiamento da minha narrativa e sua expressão é mais necessário do que prestar atenção a pessoas que sentem-se incertas sobre sua ancestralidade e o que fazer com ela.

Considerar responsabilização reparação e restituição como necessidades e não como debates vem antes de esperar chegar uma identidade perfeita que é imune a críticas.

Recusar a me patologizar é mais saudável do que estar sempre incerta sobre quem eu sou, quem está comigo e quem não está.

Não prestar mais atenção nas minhas dificuldades do que nas possíveis saídas e brechas é um melhor conselho do que a maioria das coisas que estão na Internet.

Lembrar que os primeiros seres humanos a atravessarem para Abya Yala não vieram através do Estreito de Bering é por si só uma parte muito mais importante da história do que um bilhão de palavras sobre presidentes dos EU e o que quer que tenham na sua agenda para hoje.

Ser criticada publicamente mais uma vez por tentar existir como participante dos processos do conhecimento é menos ameaçador do que simplesmente andar pela rua carregando minha antena de pura paranoia.

Saber com certeza que muitas pessoas precisam de mais ajuda do que eu é muito mais óbvio do que tentar argumentar pela minha importância pessoal, se é que algo do tipo existe.

Não ter medo mas consciência do escrutínio daquelas pessoas que querem desenhar meus contornos só para saber o melhor ângulo de ataque vai me tornar muito mais forte do que acovardar-me.

Convencer-me por mais um dia de que não preciso chegar à exaustão para me sentir merecedora de alimentação e abrigo é mais importante do que cumprir as expectativas da ética protestante que me cerca.

Estudar uma única linha de história pré-colonial é mais libertador do que continuar a tornar minha mente laica com nenhum resultado além de mais dúvida.

Confiar no meu sentimento instintivo sobre ideias confusas terem pouco valor é muito mais saudável do que tentar entender no que os falantes de inglês estão chafurdando com suas últimas ideias anarco-niilistas de merda que eu não tenho tempo para ler mesmo.

Escolher o desconhecimento ao invés do consumismo e o questionamento real ao invés da competitividade interna é mais profundo do que a crítica que chega por dentro dos fios.

Ter um diálogo cuidadoso comigo mesma é mais saudável do que pensar que pessoas anônimas da Internet podem me ajudar com a solidão ou a insegurança.

Olhar no espelho e tomar um banho é mais emancipatória do que me atualizar sobre as últimas notícias da transfobia acadêmica, uma forma de autoagressão psicológica.

Fazer com que dinheiro e outros recursos cheguem às comunidades que mais precisam deles é uma mudança maior do que enviar mais informações para o tecnocrata branco do norte.

Ter todas as suas ações e palavras medidas como se você só tivesse o valor de suas demonstrações externas de lealdade a uma cena social ajuda muito menos do que um único ato de afeto em direção a quem realmente se importa consigo.

Tentar aprender como me ajustar e melhor agradar as outras pessoas é uma enorme perda de tempo comparado ao saber do meu próprio corpo junto de pessoas que tenham corpos como o meu.

Tentar carregar toda a batalha por poder do mundo inteiro nas minhas costas é muito mais narcisista do que aquilo que profissionais de “saúde mental” possam estar tentando colocar de maneiras tortas e desencontradas.

Escrever poesia concisa é muito mais libetador do que perder-se em prosa sem fim.

Não desistir do crescimento, da alegria e do afeto é mais maduro do que apegar-me a uma ideia estática, fria e capitalista do que é ser adulta.

Manter-se eternamente crítica a mim mesma e das outras pessoas sem sacrificar o cuidado coletivo é mais curativo do que o que alguém insensível na clínica de psiquiatria está tentando me dizer só para me mandar para casa e ir comer a sua comida sem gosto de nada.

Não ser moldada por um pastor é mais urgente do que desistir da minha esperança ainda viva e em constante mudança. Ela seria trocada por uma crença morta que não pode durar nem um décimo do tempo que levamos para chegar até aqui.

Resistir sem desistir nunca da minha dignidade é perceber que o Estado sempre esteve errado sobre os meus documentos.

Não precisar que ninguém valide meu pensamento é uma aspiração melhor do que tornar-me como alguém ateísta que não consegue parar de pensar devido à insegurança reprimida.

Segurar cada contradição com o mesmo carinho com que guardo todo o restante que nunca vou conseguir resolver ou explicar me torna muito mais forte do que alguém que se educou demais e tem todas as respostas.

Não precisar que as outras pessoas sejam como eu ou mesmo que parcialmente pareçam-se comigo vai me levar muito mais longe do que infinitas milhas aéreas.

Conseguir o que é meu e seu deveria ser uma prioridade muito mais urgente do que expelir mais um único elogio descartável.